Em determinado momento do filme, Mason pergunta para seu pai
Mason Sr:
“- Então, de que
adianta?
- O quê?
- Não sei...tudo.
- Tudo ?! (responde seu pai, Mason Sr)....não faço ideia....ninguém
sabe.......estamos só vivendo, sabe? “
Esse belo e magnífico filme escrito e dirigido por Richard
Linklater (trilogia “Antes do Amanhecer “ e “Escola de Rock”) já está consolidado
como um dos melhores filmes da década.
Original desde sua concepção, “Boyhood – Da Infância à
Juventude” conta a história de Mason dos 6 aos 18 anos, sua trajetória da
escola até a faculdade, porém, com os mesmos atores. O filme começou a ser rodado
em 2002 e teve suas últimas cenas gravadas somente em 2013.
O filme foi gravado da seguinte forma, Linklater reunia o
elenco, uma vez por ano, por uma semana, e gravava parte da história. Os atores
foram envelhecendo como e com seus personagens, e acompanhar essas mudanças,
físicas, comportamentais e psicológicas de Mason (Ellar Coltrane), sua irmã mais
velha Samantha (Lorelei Linklater), sua mãe Olivia (Patricia Arquette) e de seu
pai Mason Sr (Ethan Halke) em 2hs e 45 min de filme é bastante prazeroso e
emocionante.
Um roteiro que certamente foi se moldando com o passar dos
anos, mas que em momento algum fugiu do que foi proposto desde o início que era
contar a história de uma criança, passando pela adolescência até se tornar
adulto. Linklater acerta nos diálogos e na dinâmica dos acontecimentos relatados.
O roteiro, bem elaborado e perfeito para a história que o diretor quer contar,
não necessita de viradas mirabolantes e grandes segredos, e sim, sua
simplicidade e fluidez são à base do filme.
Patricia Arquette está fabulosa em cena e sua mudança física
(dos 32 para os 44 anos) é realçada por uma bela performance, que possivelmente
renderá uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. É interessante notar
também as mudanças no corte de cabelo e nas roupas de sua personagem, que deixa
claro ao expectador a evolução de Olívia como mãe e profissional (de estudante
á professora Universitária).
Ethan Halke consolida-se como um dos melhores atores de sua
geração e possivelmente será indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por
seu personagem em “Boyhood”. Da mesma forma que Olivia, acompanhar as mudanças
e a evolução de Mason Sr é bastante interessante. Ethan consegue dar ao
personagem uma faceta de “eterno adolescente”, um pai que demora a se tornar
adulto e responsável, o que pode ser notado por suas roupas (quase juvenis) sempre
num tom escuro e pelo carro que possui, que se repete com os primeiros anos,
contrastando com a evolução dos outros personagens.
Mas é a personalidade de Mason e a sua evolução dos 6 aos 18
anos que realmente é o fio condutor do filme. Ellar Coltrane foi peça fundamental
de um projeto sem precedentes na história de Hollywood e somente por isso o
jovem ator já ficará marcado. Com todas as mudanças físicas do ator
(principalmente em relação a sua voz), é impressionante ver que a personalidade
de Mason, bondoso, inteligente, sensível, é a mesma dos 6 aos 18 anos, o que
pode ser comprovado pelo mesmo tom de voz e pela postura (ombros quase sempre
curvados) mostrando vulnerabilidade e timidez.
A direção de Linklater é primorosa. Todas as passagens de
tempo, 10 no total, são feitas de forma orgânica. O expectador consegue identificar
os “saltos no tempo” sem necessitar de uma legenda dizendo: “1 ano depois...”.
Chamo a atenção para as cenas que precedem os “saltos no tempo de 1 ano”, elas variavelmente
trazem alguma informação que será importante para o ano seguinte, mas nada expositivo,
são referências como um diálogo que Mason está ouvindo ou uma troca de olhares
entre determinados personagens, pequenos detalhes.
Linklater mostra parte da perfeição de sua direção numa cena
em que Mason e sua namorada, Sheena, estão conversando sentados á mesa de uma
lanchonete. O assunto em questão é a fragilidade das relações e o quanto as
redes sociais (Facebook) estão prejudicando amizades, namoros, etc. Mason e
Sheena começam o assunto dentro do carro, algumas cenas antes, com Sheena
defendendo o “Facebook” e Mason afirmando que as pessoas estão cada vez mais
distantes umas das outras, então ele começa a fazer monólogo, curto, mas um
monólogo. Sheena não o interrompe em momento algum e quando ele termina a
câmera muda de posição (na diagonal das costas de Sheena, pegando a mesa e
Mason de frente), então a última coisa que Sheena faz é olhar seu Smartphone. A
cena em que Sheena “olha o Smartphone” é muito rápida, porém, isso já basta
para o que virá depois.
Mas o filme é sobre o quê?
Cada pessoa que assistir terá seu ponto de vista, o meu é:
vida.
O diálogo do início do texto é de uma conversa entre pai e
filho, onde o jovem questiona “o que adianta isso tudo?” (relacionamentos, amores,
estudos, trabalho, etc) e o pai responde que “não sabe”. “Boyhood” não tem a pretensão
de responder “qual o sentido da vida”, não é isso, mas sim mostrar que a vida
tem, e terá momentos difíceis, chatos, emocionantes, belos, entediantes, etc, e
que o melhor que podemos fazer é administrar nosso tempo e aproveita-lo para as
coisas que realmente importam.
Digo sem medo que “Boyhood – Da Infância à Juventude” é o
melhor filme de 2014 e um dos melhores filmes que vi em toda minha vida.